QUANDO TEVE A IDEIA DE INVENTAR A COR DA PAIXÃO, DEUS INVENTOU O VERMELHO E, COM ESSA COR, PINTOU NOSSOS CORAÇÕES... (da amiga e colorada Rosane)

quinta-feira, 5 de abril de 2012

BEIRA RIO NO RIO DE JANEIRO

Era noite de jogo do Flamengo. E noite de jogo do Flamengo, na sucessão de bares, restaurantes, botequins e quitandas de Copacabana, significa noite de reunião de pequenos grupos com os olhos vidrados na televisão, de camisas rubro-negras espalhadas pelas mesas, de comentários definitivos sobre o menos definitivo dos esportes. É assim pelas esquinas de Copacabana.
Mas não em uma delas. O número 105 da rua Bolívar é um universo paralelo. Ali, o vermelho também é religião. Mas sem o preto. É lugar de colorados.



Desde 2008, o bar Copinha vem sendo um espaço de união para torcedores que têm a paixão pelo Inter multiplicada pela saudade de casa. Com a distância, o jeito é criar um outro Beira-Rio. Um Beira-Rio no Rio. Enquanto cariocas circulam pela orla, a duas quadras dali, ou frequentam as sessões no cinema Roxy, um dos mais tradicionais da cidade, gaúchos ruidosos se acotovelam em uma calçada, de pé, para torcer pelo clube do coração.
O grupo vem crescendo. Lá em 2008, foram poucos os que convenceram o dono do bar, um vascaíno, a colocar um pacote com os jogos do Inter na televisão - em tempo de ver o clube ser campeão da Sul-Americana. Atualmente, a turma é contada em centenas. Foram cerca de 300 na final da Libertadores de 2010. Nesta quarta-feira, quando o Inter empatou com o Santos por 1 a 1, havia pelo menos 200.



Eles cantam as músicas que se ouvem no Beira-Rio. Espalham faixas por ali. Na lataria de geladeiras, em adesivos, lembram ídolos como Figueroa e Falcão e se declaram contrários ao futebol moderno. Dominam o local.
A invasão vermelha rende cenas curiosas. Nesta quarta, enquanto as duas centenas de colorados viam o jogo contra o Santos em um televisor de tela plana, do tipo grande, quase um telão, meia-dúzia de flamenguistas, dentro do boteco, assistiam à partida do time de Ronaldinho Gaúcho contra o Emelec. Eis que sai um gol rubro-negro, e um torcedor solta um grito de alegria lá dentro. Estrangeiro em um pedaço da própria cidade, ele olha para os colorados e pede desculpas pela invasão.
- Foi mal aí, pô. Gol do Mengão...


Os gaúchos riram, quebrando um pouco da tensão da noite. Era jogo de Libertadores, contra o Santos, contra um Neymar que havia sido destruidor na Vila Belmiro. E era aniversário do Inter. Os 103 anos foram comemorados com um churrasco bancado por quem contribui com o consulado do clube no Rio - ou por quem topou bancar R$ 15,00 pela carne.



O desenrolar do jogo costuma ocorrer com clima de estádio. Não foi diferente neste 4 de abril. Cada vez que Neymar recebia a bola, foi xingado. Lances bem executados por colorados foram seguidos de gritos de incentivo - Nei, Muriel, Sandro Silva e Tinga foram os mais elogiados da noite. Lances mal executados renderam resmungos, como se os jogadores, do outro lado da tela, pudessem escutar.
Existe uma tradição no Beira-Rio. Em jogadas de bola parada que pareçam render algum perigo ao adversário, antes de o atleta partir para a cobrança, a torcida começa a gritar "gol, gol, gol, gol!", como quem diz ao goleiro oponente: "Nem vai na bola, cara. Nós sabemos que ela vai entrar".
Também é assim no Copinha. Quando Nei se posicionou para bater na bola, aquele cantinho de Copacabana ouviu gritos de gol. Talvez Rafael, o goleiro do Santos, tenha acreditado que não valia a pena ir na bola. Ficou parado. E a rua Bolívar viveu uma daquelas coleções de segundos de euforia coletiva, com colorados abraçando uns aos outros, compartilhando tanta coisa: o amor pelo clube, a saudade de casa, a identificação pela coragem de sair por aí, longe dos amigos, longe da família.



Viria o segundo tempo, com o gol de Alan Kardec, enquanto uma chuva inesperada dava um pouco de clima gaúcho a uma cidade tão diferente de Porto Alegre. Os colorados abriram uma brecha em sua resistência natural ao rival e estenderam toldos azuis para proteger televisor e espectadores. Viram, assim, o Inter fechar o jogo com um empate que nem tranquiliza, nem desespera.
Era quase meia-noite quando terminou a partida. Do silêncio, nasceu uma cantoria de "parabéns pra você". Todos cantaram. Era uma forma de dizer uma outra frase tão famosa entre os colorados, cantada no Beira-Rio, cantada no Copinha:
- Eu nunca me esquecerei dos dias que passei contigo, Inter.


GLOBO ESPORTES

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