"Faz algumas horas que cheguei ao céu (...) Meu Deus, sou campeão do mundo." O trecho foi publicado em 17 de dezembro de 2006, direto de um quarto de hotel em Yokohama, no Japão, algumas horas após o triunfo histórico do Internacional sobre o Barcelona por 1 a 0. O escriba era Sérgio Nogueira Duarte da Silva, o professor de português do quadro "Soletrando" do programa "Caldeirão do Huck", em seu momento torcedor apaixonado pelo clube de coração, lado pouco conhecido do público brasileiro. O mestre da gramática juntou as economias, "quebrou o porquinho" e pôde presenciar, junto com seu filho, o dia mais sublime da história do Colorado gaúcho, do outro lado do mundo.
O improvável gol de Adriano Gabiru na final do Mundial de Clubes da Fifa ainda ecoava, de fato, na cabeça do professor no refúgio do hotel. Nas caixas de som de seu laptop, a voz de Galvão Bueno narrando o título inesquecível, um pedido de dezenas de outros torcedores colorados à porta de seu quarto. Outras centenas deles estavam nas ruas, brindando o dia histórico. Mas o compromisso com o blog "Um Colorado no Japão" o prendia ali por alguns minutos. A vontade era de comemorar naquela noite. E o extravaso veio em forma de palavras para a leitura da imensa torcida vermelha e branca espalhada pelo Brasil.
Algumas horas antes, o professor estava nas arquibancadas do Estádio Internacional de Yokohama. Em campo, os 81 minutos até o gol derradeiro pareceram correr muito mais depressa que os 12 restantes até o apito final. Com Xavi, Iniesta, Deco e Ronaldinho, o Barcelona tinha as melhores chances, mas ainda assim não assustava. O Inter, recuado, esperava uma chance apenas e apostava em um lampejo genial do ainda menino-promessa Alexandre Pato. Com câimbras, Fernandão, o capitão do time, foi substituído aos 21 minutos da segunda etapa. Em seu lugar, entrara Adriano Gabiru. Predestinado, o jogador recebeu passe primoroso após arrancada de Iarley, e o improvável aconteceu.
- Lá pelos 30 minutos, eu comentei para o meu filho: "Já imaginou se vai para os pênaltis?" A gente passa a ter chance. Acontece que, aos 36 minutos, o Gabiru fez o gol. Eu confesso que passei os piores 10 minutos da minha vida. Porque é aquela história: “Agora eu quero ser campeão.” Não quero mais pênaltis, não quero honra. Quero ser campeão. Você começa a pensar: já pensou se o Inter é campeão do mundo? É a vingança de toda a minha juventude, de tudo que eu tive que passar na mão dos gremistas. Teve uma falta do Ronaldinho, já perto do fim do jogo, que a bola passou e eu fiquei esperando a rede mexer. Eu estava logo atrás do banco do Inter. Quando a bola passou, a rede não mexeu eu disse: “Eu sou campeão do mundo.” Foi ali. Só de falar eu me arrepio - lembrou, eufórico.
O sofrimento até a confirmação do título mundial, no entanto, começou muito antes da partida contra o Barcelona. Em meio ao trabalho, Sérgio Nogueira não pôde presenciar a vitória sobre o São Paulo na final da Libertadores. Seu filho, porém, estava no estádio e ligou após o triunfo: "Arruma um jeito de a gente ir para o Japão." O dinheiro da aposentadoria por 35 anos de magistério que o professor havia recebido alguns dias antes já tinha um destino. Apenas comunicou à esposa e começou a planejar a viagem no fim do ano, que teria um final feliz.
A distância te faz mais gaúcho. No meu caso, mais colorado"
Sérgio Nogueira
Daquela equipe vencedora surgiram alguns dos ídolos que elegeu como os principais jogadores da história do Internacional. O capitão Fernandão, símbolo de garra e luta dos campeões mundiais, virou uma referência para os torcedores da nova geração. Por isso, apesar da importância do título, preferiu colocar outros ao lado do atual treinador do Internacional.
- Na minha infância, tinha um jogador chamado Bodinho. Era meia no time que foi tetracampeão na década de 50, quando eu era criança. A década de 60 foi horrorosa, só valeu pelo finzinho, com a inauguração do Beira-Rio. Para não deixar ninguém fora, tinha o Claudiomiro. Depois, na década de 70, não tem como não citar Figueroa e Falcão. E mais recentemente, o Fernandão. Ele me deu os principais títulos que vi. Esse século é uma loucura. O Internacional ganhou tudo - disse, orgulhoso.
Quatro anos depois, a decepção
Em 2010, o Internacional conquistava a América mais uma vez. Com um time mais confiável que o de quatro anos antes, o sonho do bicampeontato mundial pairava sobre os colorados. Até porque o adversário de uma provável final seria o Inter de Milão e não o temível Barcelona de Messi & Cia. Sérgio Nogueira novamente arrumou as malas e, acompanhado do irmão e do sobrinho, foi aos Emirados Árabes para ver o time de coração. No entanto, ao contrário da glória, veio a decepção. Havia o Mazembe, time da República do Congo, e a derrota por 2 a 0 doeu.
Diante do Mazembe, o professor viu a pior derrota
- Foi coisa do futebol. O (Rafael) Sóbis perdeu um gol logo no início do jogo. Se faz aquele gol matava o jogo, ia botar quatro em cima do Mazembe. No início do segundo tempo tomou um gol bobo. Aí é fogo, os caras se fecharam. O Inter ainda perdeu mais dois ou três gols. O segundo do Mazembe saiu já em cima da hora. Aquilo foi uma dor danada. Doeu mesmo. Mas, como eu costumo dizer, entre perder para o Mazembe e ganhar a "Batalha dos Aflitos", prefiro perder para o Mazembe. Por um raciocínio simples: para perder para o Mazembe é preciso ganhar a Libertadores de novo. Para ganhar a "Batalha dos Aflitos" tem que cair para a Segunda Divisão - brincou, alfinetando o rival, em referência ao histórico jogo do acesso do Grêmio diante do Náutico, em 2007.
Rogério Ceni, Deco e Juninho: os "amigos" do português
Há seis anos no ar como o professor de gramática do "Soletrando", Sérgio Nogueira, de 62 anos, encontrou mais um prazer após tantos anos nas salas de aula. No quadro do programa "Caldeirão do Huck", é ele quem escolhe as palavras, determina os níveis de dificuldade e ainda se emociona com a história de vida e estudo dos alunos que participam. A cada ano, as crianças vão mais longe e enchem de orgulho o mestre: "A sorte é que a câmera não fica em cima de mim, porque o meu olho enche d'água."
Ao assistir às partidas de futebol, no entanto, ele se depara com outro parâmetro. As frases feitas e o "maltrato" à língua portuguesa são comuns nas entrevistas dos atletas e treinadores. Até por isso, não é difícil eleger os mais eruditos, que tratam o português com mais carinho.
- O que mais se destaca é o Rogério Ceni, goleiro do São Paulo. Juninho, do Vasco, e Deco, do Fluminense, também são articulados e bem acima da média. A maioria dos jogadores são repetitivos, com um vocabulário paupérrimo e erros grosseiros, principalmente de concordância - afirmou.
Com a bola nas mãos, momentos de atleta
Antes de ir para o Rio de Janeiro, em 1972, após se formar na faculdade, Sérgio Nogueira viveu momentos de atleta ainda no Rio Grande do Sul. Apesar de amante do futebol, foi com a bola nas mãos que se destacou e se federou no basquete. Integrou a seleção gaúcha do esporte em 1968 e enfrentou jogadores como Alberto Bial e Galvão Bueno pelo Campeonato Brasileiro daquele ano.
No Rio, porém, largou um pouco o basquete e disputava eventuais peladas no clube Piraquê com a pelota nos pés até poucos anos atrás. Apesar do sotaque que não deixa desmentir sua terra natal, já incorporou muito do cidadão carioca, principalmente na hora de torcer contra os rivais no futebol.
- Eu digo que a distância te faz mais gaúcho. No meu caso, me fez mais colorado. Um pouco menos antigremista talvez. Às vezes eu me pego torcendo pelo Grêmio contra certos times aqui do Rio - disse, em meio aos risos.
Fonte: GloboEsporte
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